Saturday, February 3, 2018

JOÃO e JEREMIAS - A PORRA DA HISTÓRIA (um folhetim beat de JR Fidalgo - 4ª de 16 partes)



CAPÍTULO VI

“Olhando para o mar, eu pensei que devia achar algo mais importante pra dizer a respeito da porra daquele mar. Mas não consegui pensar em nada mais importante, além do fato daquela porra daquele mar banhar a porra da cidade onde eu vivi grande parte da porra da minha vida. Contudo, se alguém tinha mesmo que contar a porra daquela história, eu estava disposto a tentar. Por quê?  Eu não fazia idéia. Isso, contudo, não importava. Afinal, era apenas uma porra de uma história. Era preciso, porém, encontrar alguém para escrever a tal história, já que eu mesmo, por uma série de razões que agora não vêm ao caso, nunca farei isso.”

A mensagem estava no e-mail. Jeremias também explicava como havia sido difícil localizá-lo. Depois foi direto ao assunto. Queria que ele escrevesse uma história, que, pelo que entendeu, tinha a ver com aquela cidade e com as pessoas que ali conviveram anos atrás.

Não tinha notícias de Jeremias há muito tempo, a ponto de às vezes perguntar-se se ele ainda estava vivo. Por isso, receber aquela mensagem foi meio que parecido com falar com os mortos – ou fazer contato com alienígenas improváveis.

De qualquer forma, a mensagem deixava claro que Jeremias não tinha morrido, continuava no planeta e fizera contato por um único motivo: queria que ele escrevesse uma história que, por algum motivo, Jeremias achava que João também conhecia, porque tinha participado dela.

Fechou o e-mail e voltou a trabalhar. A todo o momento, no entanto, lembrava da mensagem. Não via o mínimo sentido em, após tantos anos, Jeremias ter ressurgido das sombras para lhe pedir para contar uma história que ele não sabia qual era. Como também não via sentido algum no fato de Jeremias ter, de repente, decidido que contar a tal história era tão importante assim.

Levantou do computador e resolveu, para variar, dar uma caminhada. Sentia-se estranho, inquieto, sem condições de continuar trabalhando. Na terceira ou quarta esquina, percebeu que, inconscientemente, estava tentando lembrar-se de cenas e episódios envolvendo Jeremias. Era como se procurasse, com isso, entender que diabos Jeremias estava realmente pretendendo, já que aquela história toda de contar uma história estava lhe parecendo, cada vez mais, pura loucura.

E por que não? Talvez fosse exatamente isso: Jeremias havia finalmente enlouquecido e tudo não passava de um grande delírio seu. Afinal, muitos deles tinham pirado. Uns mais cedo, outros mais tarde. Talvez Jeremias fosse um dos retardatários.


Voltou para casa decidido a, de alguma maneira, “pesquisar” o atual estágio de sanidade de Jeremias. Só que a única informação de que dispunha sobre Jeremias era, agora, o seu e-mail. E não podia simplesmente mandar uma mensagem perguntando se ele havia enlouquecido. Precisava descobrir outros meios. O problema é que, justamente como uma espécie de antídoto à ameaça de loucura generalizada que se espalhou entre todos eles naquela época, João tinha se dedicado, nos últimos tempos, a, metodicamente, queimar todas as pontes que o uniam a Jeremias e a todos os personagens que, muito provavelmente, deviam fazer parte da tal história que Jeremias queria contar.



CAPÍTULO VII

E também não havia absolutamente nenhuma poesia no fato de seu pinto estar agora amolecendo dentro da boceta melada dela, logo após terem gozado. Isto é, se é que ela também havia gozado.

Tempos atrás, uma outra mulher, com quem ele havia acabado de trepar, lhe disse que a última coisa que queria ouvir, depois de uma trepada, era o cara ao seu lado lhe perguntando se havia gozado.

Desde então, ele, que antes achava “elegante” perguntar se a parceira também tinha gozado, nunca mais abriu a boca após uma trepada. Somente ficava lá, de barriga pra cima, olhando o teto, como estava fazendo agora, depois de ter gozado dentro da boceta de Mô.

Apesar de se conhecerem há anos, era a primeira vez que ele e Mô trepavam. Os dois já haviam trepado com quase todo mundo ao redor, mas nunca tinha rolado entre eles. Mô resumiu a situação quando ele começou a enfiar seu pinto nela e ela disse: “Caramba, até que enfim. Eu pensei que isso nunca fosse acontecer com a gente”.

Na verdade, o ácido que eles haviam tomado contribuiu muito para aquilo tudo. Era um ácido particularmente fraco, pois naquela época já era difícil arrumar alguma coisa de qualidade na cidade. No entanto, eles tomaram a pedra num dia atípico, totalmente atípico.

Naquele dia, desde a manhã, as rádios e as TVs estavam povoadas de boletins extraordinários transmitidos diretamente da capital do país. O presidente eleito, pouco antes de assumir, havia ficado muito doente, piorava a cada dia e, pelo que se ouvia e via, parecia estar prestes a morrer.

Nada disso seria tão dramático assim se o tal presidente não fosse o primeiro civil, eleito indiretamente pelo Congresso, depois de uma longa sucessão de generais mal-humorados e raivosos que ocupavam o poder desde o golpe de estado, muitos anos atrás.

Então temia-se que, se o presidente eleito doente morresse, os generais resolvessem voltar, quer dizer, resolvessem não sair de onde ainda estavam.

E Jeremias estava lá, de barriga pra cima, olhando pro teto do apartamento de Mô, quando seus olhos se desviaram um pouco para a televisão ligada, sem som.

As imagens se sucediam com rapidez, flashes de locutores e locutoras, tendo ao fundo a imagem do Congresso e do palácio do governo. Ele levantou da cama e foi aumentar o som da TV.

“Repetimos, o presidente eleito, vítima de uma prolongada doença de causa ainda não determinada, acaba de falecer.”

– Bom, aconteceu. Posso usar teu telefone? Preciso ligar pro jornal?”,Jeremias perguntou.

– Liga aí”, respondeu Mô.

– Tenho que ir pra casa. Eles vão mandar uma viatura lá pra me pegar e levar pro aeroporto”, disse Jeremias, após desligar o telefone.

– Tá bom. Então, tchau”, despediu-se Mô, no momento em que Jeremias já estava com a mão na maçaneta da porta de saída do apartamento dela.

Embora o ácido fosse fraco, entrar às pressas num avião ainda viajando não era certamente uma das melhores sensações do mundo. Por isso Jeremias procurou colocar as idéias em ordem logo depois da decolagem.

Não teve muito sucesso. Cada vez que fechava os olhos, milhões de luzinhas coloridas pareciam acender-se em sua cabeça. Além disso, Tom, o fotógrafo que iria acompanhá-lo na cobertura da morte do presidente que não tinha sido presidente, estava bêbado e insistia em lhe contar, detalhadamente, por que seu último relacionamento, com uma garota japonesa de 17 anos, não tinha dado certo.

Então Jeremias resolveu encher a cara também e deixar a seqüência dos fatos a cargo da providência, se que essa coisa existia.

Mas a providência, ou seja lá o que for, não foi lá muito generosa com Jeremias, nem com Tom.

Logo que chegaram ao aeroporto da capital, eles souberam que, para entrar no local onde o cadáver do presidente que não havia sido presidente estava sendo velado, era necessário um tipo de credencial que o seu jornal não havia providenciado.

Repórter e fotógrafo ainda tentaram argumentar, mas acabaram sendo confinados a uma espécie de galpão, onde lhes disseram para permanecer, junto a outros jornalistas na mesma situação, “aguardando”, o que ninguém explicou.

Por sorte ou azar, no galpão, Jeremias e Tom encontraram Juan, um jornalista peruano, que, por sorte ou azar, conseguira levar lá pra dentro uma garrafa de pisco. Então Jeremias e Tom resolveram continuar enchendo a cara, deixando a seqüência dos fatos a cargo da providência, se é que essa coisa existia.

A partir daquele ponto, naquele galpão, Jeremias tem apenas uma vaga idéia de tudo o que aconteceu a seguir, não só na capital do país, mas também na cidade em que o presidente que não foi presidente havia nascido, que ficava em outro estado e onde foi realizado o enterro.

No meio da densa névoa que se instalava na sua cabeça cada vez que tentava recordar de tudo aquilo, a única coisa que lhe vinha à mente era a história de um livro que havia lido anos atrás, chamado “Medo e Delírio em Las Vegas”, de um tal de Hunter Thompson, que contava as aventuras e desventuras desse repórter norte-americano quando foi fazer uma reportagem qualquer na cidade dos cassinos.

Não que tenham acontecido tantas loucuras naquela viagem em perseguição ao cadáver do presidente que não foi presidente como aconteceram na história contada no livro de Thompson, mas Jeremias compreendeu que, como no livro, as coisas podiam realmente sair de controle, sendo que a única coisa a fazer, em situações do tipo, era continuar enchendo a cara e entregando a seqüência dos fatos à providência, se é que essa coisa existia.

De qualquer forma, quatro dias depois, Jeremias estava de volta à sua cidade. E o primeiro pensamento que lhe ocorreu foi: “Será que a Mô topa trepar comigo de novo”?


JR Fidalgo: um jornalista
que tem preguiça de perguntar,
um escritor que não tem saco
pra escrever e um compositor
que não sabe tocar.

(mas que, mesmo assim,
já escreveu três romances
e uma quantidade considerável
de canções ao longo
dos últimos 45 anos)




No comments:

Post a Comment