Wednesday, February 14, 2018

ODE AO TEMPO (por Flávio Viegas Amoreira)



O carnaval traz um tsunami de ausência noticiosas: jornais, portais, onde encontrar referências ao que não seja folia? Na verdade, a grande maioria não curte ou freqüenta carnaval, mas fica refém das festas momísticas. Amanheço sempre lendo “The Guardian” e o “Los Angeles Times”, que é campeão óbvio em obituários substanciosos sobre lendas caídas em esquecimento. Viver muito faz impacto do desaparecimento diluir-se:  quão mais longínquo apogeu maior olvido. Fico com meus botões desbotados já a pensar quem há de lembrar por exemplo de Jane Powell, lindinha atriz de “Sete noivas para sete irmãos”? ou ainda de Julie Newmar, que também atuou nesse clássico musical e ficaria famosa como a Mulher-Gato do Batman oficial de nossa meninice? Ambas octogenárias vivíssimas e saltitantes pela alamedas de Bel Air?!



Será um hábito gay esse vintage do poeta? Talvez talvez mas não menos popular entre todos gêneros e idades, não? Pois então entre confetes e serpentinas imaginárias fico a saber da morte do onipresente cantor dos anos 50 e 60 Vic Damone... não houve clássico, hit,  cançoneta napolitana ou bossa nova que escapasse de sua voz empostada com certo veludo aos ingênuos ouvidos do pós guerra. Larguei mão alguns momentos da “Divina Comédia”, que planejei reler com método em 2018, e eis que vou ao santo YouTube, como diz nosso amigo Chico Marques, e revisito as grandes canções interpretadas por esse ídolo desaparecido  aos nossos olhos mas não aos nossos sonhos. Inevitável citar “An affair to remember”,  também famosa na voz de Nat King Cole, “The Shadow of your smile”, tão forte presença para os emotivos, e minha preferida “On the street where you live”, que recordo inserida na trilha sonora de “My Fair Lady”, com Audrey Hepburn e Rex Harrison logicamente.  Nada que não possamos ouvir atualmente com Michael Bublé e Harry Conick Jr. , mas aquela postura e inflexão só em tipos como Mel Tormé, Damone e o inexpugnável Johnny Mathis! Agnaldo Rayol seria nossa contraface parecia esses ídolos?  De modo mais brejeiro creio que sim.



O grande lance de um cronista e jornalista cultural em tempos de Wikipédia é rememorar com profundidade possível, fazer ligações e ir além da consulta seca: escrever atualmente é aprofundar o que se lê e vê na internet. Na minha cabeça convoco Ursulla Andress, Jacqueline Bisset ou Burt Reynolds para ter o que dizer sobre o que a época significou em mim e aos meus contemporâneos. Por isso pesco um astro perdido para desfiar o rosário das nossas impressões numa época onde um walkman era um luxo e os primeiros VHS um deslumbre para colecionar. Impossível fazer um inventário de emocionalidades culturais dum escritor nascido no século XX sem levar em conta o universo pop, o Olimpo do cinema e música, tudo aquilo que o chatinho Adorno desdenhava. O lance é esse mesmo de ler Proust intercalando audição de “Strangers in Paradise”, que por sinal foi extraída do erudito Rimsky-Korsakov. Gosto de gostar das coisas, erudito ou pop. Nesse contexto, para mim, Vic Damone veio antes de Tony Bennett. Beijo e feliz ano novo brasileiro nessas cinzas de chuva....









Poeta, contista e crítico literário,
Flávio Viegas Amoreira é das mais inventivas
vozes da Nova Literatura Brasileira
surgidas na virada do século: a ‘’Geração 00’’.
Utiliza forte experimentação formal
e inovação de conteúdos, alternando
gêneros diversos em sintaxe fragmentada.
Vem sendo estudado como uma das vozes
da pós-modernidade literária brasileira
em universidades americanas e européias.
Participante de movimentos culturais
e de fomento à leitura, é autor de livros como
Maralto (2002), A Biblioteca Submergida (2003),
Contogramas (2004) e Escorbuto, Cantos da Costa (2005).



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