Thursday, November 2, 2017

DE ONDE VEM A LUZ (uma crônica de Ademir Demarchi)



Poucos se dão conta de que o mundo se ilumina à noite, independentemente das fiações elétricas e da infinidade de lâmpadas de todo tipo acionadas por interruptores e censores com o objetivo de estender a vida útil de quem está acordado. Essa iluminação artificial, por tão óbvia, nem passa pela imaginação de quem a usa, que vem, por exemplo, das águas correndo com uma solenidade constante pelo rio Iguaçu até encontrar as turbinas de Itaipu, se distribuir por quilômetros infinitos de fios até chegar à lâmpada.

Por isso, às vezes, quando vou acionar um interruptor e olho para a lâmpada para assistir esse milagre de se fazer a luz, tenho, por um infinitésimo instante, a sensação de que ora ligo uma daquelas turbinas, ora que uma daquelas cataratas jorrará pelo teto.

Antes que você se pergunte se tomei um choque de 220 indago por que o Paraná usa voltagem de 110 e São Paulo e Santa Catarina 220 nas residências? Sem que tenha uma resposta plausível, o Paraná, assim, me parece mais seguro para levar eletrochoques, se é que você me entende nessa conversa com Campos de Carvalho enquanto olhamos a lua que vem da Ásia.

Mas não é essa luz que me intriga agora, porém um outro tipo de luz que ilumina o mundo, à noite, quando brilham a lua e as estrelas. Com elas, resplandecem milhões de seres luminescentes vivos.

Uma estrela pisca, um vagalume responde onde? em coro com os peixes fosfóreos quando cantam as larvas trenzinho com suas luzes de duas cores.

Os fitoplânctons se extasiam em silêncio, bilhões de bactérias resplandecem, da bosta de vaca aos oceanos, e a luz da energia solar acumulada pulsa nas luciferases enzimas bioluminescentes que mudam a cor da luz.

Enquanto isso, os filhotes de tartarugas marinhas saem do obscuro de seu ovo para buscar o caminho do mar. Para se orientar procuram as luzes das estrelas mas encontram nas costas terrestres as luzes artificiais das cidades e, obcecadas, em vez de seguirem seu destino em direção ao mar, extraviam-se e rumam em sentido contrário para encontrar a morte.

Quem suporta tanta luz? Só mesmo abrasado em sonho para se iluminar e se deixar iluminar sem errar o trajeto, se é que há trajeto correto, nos lugares dos caminhos que se bifurcam que é a vida, a literatura.

A luz, por sua vez, encontrada nesses lugares, é como um sino tocando em um campanário: tem em si mesma uma beleza intensa que nada mais do que a cerca ou para que serve importa.

[publicado originalmente em 14/05/2009]


Ademir Demarchi é santista de Maringá, no Paraná,
onde nasceu em 7 de Abril de 1960.
Além de poeta, cronista e tradutor,
é editor da prestigiada revista BABEL.
Possui diversos livros publicados.
Seus poemas estão reunidos em "Pirão de Sereia"
e suas crônicas em "Siri Na Lata",
ambos publicados pela Realejo Livros e Edições.
(basta clicar nos nomes para ser enviado
ao website da editora)




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