Friday, July 28, 2017

NOSSO MOVIEGOER FÁBIO CAMPOS FOI ASSISTIR "DE CANÇÃO EM CANÇÃO", NOVO FILME DE TERRENCE MALICK, E GOSTOU DO QUE VIU



Terrence Malick tem uma trajetória muito particular. No início da carreira dirigiu dois filmes bastante elogiados -- o ultimo deles, "Cinzas no Paraíso", no longínquo 1978 --, aí interrompeu a carreira por 20 anos. Mesmo assim, quando retornou, dirigindo "Além da Linha Vermelha", foi muito celebrado e conseguiu angariar, em Hollywood, um batalhão de estrelas de primeira grandeza para o filme. Daí em diante vem mantendo uma razoável constância.

Por essa trajetória dá para perceber que ele está longe de se encaixar nos padrões da indústria. Nem entrevistas ele dá. Mas essa reputação é o bastante para ele conseguir filmar à sua maneira. Seus filmes são extremamente autorais, sem nenhuma concessão comercial, mas, mesmo assim, ele sempre tem financiamento disponível uma fila de astros sempre prontos para trabalhar com ele.

Confesso que Malick está muito distante dos meus cineastas favoritos -- digo mais ainda, acho praticamente todos os seus filmes chatíssimos.

Mas resolvi encarar "De Canção em Canção".


O filme se passa em Austin e tem como pano de fundo a cena musical da cidade. Você provavelmente já viu o argumento da estória em vários filmes: jovem músico encontra produtor que promete fazê-lo famoso, mas é tentado a abrir mão dos seus ideais a troco do sucesso. Pois acredite, aqui nada é contado do jeito que você imagina, portanto, o filme não vai na direção esperada.

Esse fiapo de trama é contado via um recorte de cenas belíssimas – essa, uma qualidade inequívoca dele – embalados por reflexões, ou por alguns poucos diálogos. Esse recorte não segue uma linha temporal, exigindo muita atenção do expectador. Isso incomoda profundamente as plateias acostumadas com narrações lineares e cheias de explicações. Várias pessoas saem no meio do filme. Outras se mexem constantemente, claramente incomodadas.

Somente dessa vez, consegui embarcar na viajem de Malick, talvez pelo tema parecer mais acessível, ou por me esforçar mais, não sei. Só sei que me rendeu uma ótima experiência.

Pela primeira vez um filme de Terrence Malick não me pareceu chatíssimo, segurou minha atenção durante todos os 129 minutos e me levou a várias reflexões.


Apesar de ter a indústria fonográfica com pano de fundo, a essência do filme está nas relações amorosas. Assistimos aos encontros, desencontros, aspirações, frustrações, dilemas dos personagens principais, jovens, lindos, transitando por ambientes deslumbrantes e convivendo com músicos famosos. Apesar disso, o que mais transparece é o vazio. As raras cenas de genuína felicidade e afeição saltam aos olhos e sempre se dão na maior simplicidade. Natalie Portman, por exemplo, nunca me pareceu tão deslumbrante quanto nas suas primeiras cenas, como garçonete, antes de embarcar na sedução do personagem de Fassbender.

Todos os personagens são muito intensos e emblemáticos. Enquanto Cate Blanchett aparece como a depressão encarnada numa figura humana, Fassbender surge como uma espécie de demônio, que inveja a simplicidade, mas que perdeu a humanidade para alcançá-la. Não por acaso, os dois personagens são extremamente bem-sucedidos financeiramente e usam isso fortemente nas suas relações amorosas.

Enquanto Ryan Gosslin, atravessa o filme se equilibrando entre tentações e a tentativa de manter uma certa pureza, Rooney Mara, ao contrário, mergulha de cabeça em tudo que encontra pela frente.

Tudo isso, combinado com a cena musical de Austin, artistas e plateias enfurecidas, acaba dando um panorama da vida idealizada e desejada atualmente, especialmente pelos mais jovens. Num contraponto, temos uma participação especial de Patti Smith como uma espécie de antítese desse modo de vida.

O filme funciona como uma ode à vida simples, assim como o recente "Patterson" de Jim Jarmush. Mas aqui, ao invés de nos mostrar os méritos da vida simples, somos confrontados com as consequências trágicas da falta dela. Todos parecem sufocados pela ambição e pela maldição de conseguirem realizar todos os seus desejos.

Prá você, "De Canção em Canção" pode ser tudo isso, algo completamente diferente -- ou as duas horas mais entediantes dos últimos tempos.

Depende de como embarcar na viagem.


DE CANÇÃO EM CANÇÃO
(Song to Song, 2017, 129 minutos)

Roteiro e Direção
Terrence Malick

Cinematografia
Emmanuel Lubeski

Produção
Nicolas Gonda
Sarah Green
Ken Kao

Elenco
Ryan Gosling
Rooney Mara
Michael Fassbender
Natalie Portman
Cate Blanchett
Holly Hunter
Bérénice Marlohe
Val Kilmer

em cartaz no Caixa Belas Artes, no Reserva Cultural
e no Espaço Itaú Augusta e Frei Caneca

estreia em Santos assim que as férias de Julho acabarem
e os filmes pipoca começarem a sair de cartaz




Fábio Campos convive com filmes
e com música desde que nasceu,
50 anos atrás.
Em seus textos sobre cinema,
Fábio se posiciona não como um crítico,
mas como um moviegoer esclarecido,
e seus comentários passam ao largo
da orbrigatoriedade da objetividade
que norteia a maioria dos resenhistas.
Fábio é colaborador contumaz
de LEVA UM CASAQUINHO.

1 comment:

  1. A fotografia é maravilhosa!Terrence Malick é um daqueles diretores que ou se ama ou se odeia. Sua estética apurada, de linguagem rebuscada e muito existencialismo conquista o público com a mesma intensidade que o afasta, e um exemplo dessa relação de amor e ódio é seu novo trabalho DE CANÇÃO EM CANÇÃO, que novamente traz um elenco estelar com Michael Fassbender, Ronney Mara, Ryan Gosling (Do óptimo Novo Filme Blade Runner 2049 ), Natalie Portman e ainda conta com várias outras participações mais do que especiais, que falaremos mais a frente. DE CANÇÃO EM CANÇÃO é a prova de que o talento contemplativo e filosófico de Malick pode abordar vários temas e tomar várias formas, afinal, não importa o que façamos ou como vivamos – a reflexão sempre será necessária. Nossa existência depende disso, pois assim como disse o filósofo francês René Descartes no livro O Discurso do Método de 1637: “Desde que eu duvide, eu penso; porque eu penso, eu existo”.

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