Wednesday, July 5, 2017

IMAGENS SINFÔNICAS (uma crônica cinematográfica de Ademir Demarchi)



O sobrenome de Godfrey Reggio está associado indiretamente ao sentido de regência, palavra que é atribuída atualmente a uma ação do maestro, que rege a orquestra. De certa forma é isso que Reggio faz, porém não com a música, mas com a associação dela com as imagens, realizando documentários experimentais que dispensam a palavra e a fala humana, atingindo um grau estético de alta qualidade pelo que expressa. Essa regência é realizada com sinfonias de Philip Glass, que, com suas composições, faz uma leitura interessante da vida contemporânea, marcada pela repetição e pelo minimalismo, assim como pela quase paralisia ou pela hiper agitação, representadas de forma soberba em suas composições.

Reggio não usa palavras porque acredita que a linguagem, escrita ou falada, não descreve mais o mundo contemporâneo. Daí vem sua preferência pelas imagens que, associadas à música, expressam de modo peculiar uma leitura da vida no globo terrestre que leva a pensar sobre seus sentidos.

Vistos os filmes, comprova-se que são desnecessárias mesmo as palavras para transmitir o que ele quer dizer, pois as imagens são muito bem selecionadas e falam por si sobre o que é a vida contemporânea, especialmente no século XX, marcado por intenso desenvolvimento de tecnologias, dilapidação da natureza, crescimento humano desordenado, miséria e guerras.

Koyaanisqatsi (1982), Powaqqatsi (1988) e Naqoyqatsi (2002) compõem sua trilogia fílmica cujo objetivo é expor por imagens as relações dos humanos com a natureza e a tecnologia, mostrando suas intervenções em diversos locais do Planeta. “Koyaanisqatsi” é uma palavra de origem hopi e pode ser traduzida como “vida fora de equilíbrio” ou “um estado de vida que pede uma outra maneira de se viver”.

Do Brasil entraram no primeiro filme uma sequência sobre Serra Pelada e cenas da demolição do Edifício Mendes Caldeira, em São Paulo. Se na primeira mostra-se a vida de formigas dos humanos buscando por ouro e o caos que causam na natureza, as cenas de demolição numa metrópole como São Paulo se associam à circularidade da construção e destruição, vistas como fatos absurdamente estranhos nesses filmes.

As imagens se sucedem, da beleza da natureza à sua destruição, do primor tecnológico da construção e disparo de um foguete em direção à estratosfera à miséria sobre a qual tudo isso parece se construir, em meio às explosões de bombas atômicas. Tudo parece sinalizar que o engenho humano se iguala em sua mórbida produção de destruição de si mesmo e do meio em que vive.

A cinematografia de Koyanisqatsi é de Ron Frick, que, depois, em 1988, concretizou Baraka, com trilha do melancólico Dead Can Dance, um filme parecido com aquele de Reggio e rodado em 23 países com a intenção de também refletir sobre como se dá a vida humana no Planeta.

Quanto a Reggio, ele demole a vida contemporânea com acidez, porém com uma exuberância estética convincente e marcante. Não há necessidade de palavras, sua direção é pura poesia imagética que reage com os andamentos sinfônicos de Glass. Não é uma narrativa convencional, por isso, para se assistir esses filmes é preciso desalienar o olhar e os sentidos para uma experiência totalmente diferente de se ver o mundo e a vida humana. O filme conjuga imagem e música habilmente e com eficiência transmite sensações para o cérebro.




Ademir Demarchi é santista de Maringá, no Paraná,
onde nasceu em 7 de Abril de 1960.
Além de poeta, cronista e tradutor,
é editor da prestigiada revista BABEL.
Possui diversos livros publicados.
Seus poemas estão reunidos em "Pirão de Sereia"
e suas crônicas em "Siri Na Lata",
ambos publicados pela Realejo Livros e Edições.
(basta clicar nos nomes para ser enviado
ao website da editora)



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