Thursday, August 11, 2016

CAFÉ E BOM DIA #34 (por Carlos Eduardo Brizolinha)



Aristóteles disse certa vez que escolher entre suas habilidades aquelas necessárias à sua época é o caráter da vocação. Creio no contrário, e às vezes uma época desperdiça seus melhores espécimes em prol de um declarado programa de castração. Julien Sorel (herói de “O vermelho e o negro”, de Stendhal) é o símbolo do grande homem desperdiçado graças ao caráter mofino de sua época. Todo o romance conta a saga desse desperdício, e a mestria de Stendhal está em justamente fazer a própria época soar anacrônica em relação ao herói. A história se desenvolve inicialmente em uma pequena cidade do interior em que Julien Sorel, filho de carpinteiro, é “um rapaz pobre, e que só é ambicioso porque a delicadeza de seu coração cria a necessidade de alguns dos prazeres fornecidos pelo dinheiro. “O jovem camponês nada via entre si e as mais heroicas ações senão a falta de oportunidade”. As camadas do solo que Julien pisava estavam num processo de ajustamento, de movimento constante, gerando um sensação de insegurança e medo permanente. Crenças democráticas radicais coexistindo com o pensamento liberal, nostalgia pelo Ancien Régime. A ideia permanente era de dualidade, transição. Tal situação interfere nas relações entre os indivíduos, modificando-as: 'as pessoas só podem conviver harmoniosamente como sociedade quando suas necessidades e s socialmente formadas, na condição de indivíduos, conseguem chegar a um alto nível de realização; e o alto nível de realização individual só pode ser atingido quando a estrutura social formada e mantida pelas ações dos próprios indivíduos é construída de maneira a não levar constantemente as tensões destrutivas aos grupos e aos indivíduos'. Assim sendo, o romance clássico stendhaliano resiste no tempo e no espaço, nos cristalizando, através de Julien, afetos estranhos, em extremo, à nossa leitura, muito embora saibamos que somos seres humanos feitos para ter sentimentos, amar, odiar e desejar.




Faz 20 anos que o amigo Thomé me incentivou ler Styron. Recusei a ideia. Rimos muito de como Styron foi dispensado da McGraw Hill, mas Thomé não me dobrou. Anos depois assisti o filme, considerei muito bom. William Clark Styron Jr. que nasceu em 11 de junho de 1925 em Virgínia, EUA. Ensaísta, editor e romancista dos mais expressivos da geração pós II Guerra Mundial, considerado como o sucessor de William Faulkner. Ficou conhecido, desde cedo, como a voz do Sul, através de dois livros fundamentais: As confissões de Nat Turner (1967), que lhe valeu o Prêmio Pulitzer, e A escolha de Sofia (1979), que foi levado às telas com Meryl Streep e Kevin Kline. Um filme, sobre a história de uma sobrevivente polaca do Holocausto, obrigada por um oficial de um campo de concentração a escolher qual dos dois filhos deveria viver. Eu não o teria feito daquela maneira, mas é um ótimo filme. Eu teria dado uma visão diferente, enfatizando mais a relação ente Sofia e Natham, o caráter destrutivo desta relação. Mas o produtor adquiriu os direitos para fazer o filme daquela maneira e fez um bom trabalho. O filme foi meu grande estimulo. Peguei o livro da minha mãe que não é fã do autor e acha balela essa de ser um novo Faulkner Escreveu, também, um relato corajoso sobre a depressão, que ele mesmo padecia: Perto das trevas (Rocco, 2000). Nada chegará perto da depressão de Wiston Churchill batizada "Black Dog". O livro ampliou seu público com um contingente razoável de pessoas ávidas em conhecer uma doença tão desconhecida. Além de escrever, atuou como editor trabalhando na MacGraw-Hill e ajudou a fundar a famosa revista The Paris Review. Foi um autor que transferiu as obsessões com a raça, classe social e culpa pessoal para narrativas atormentadas como Lie Down in Darkness (1951); A longa marcha ( 1952); Set this house on fire (1960). Seu último livro foi autobiográfico: Uma manhã em Tidewater (Rocco, 1993). Faleceu em 1º de novembro de 2006.



Três romenos escolheram Paris como lar: Mircea Eliade, lonesco e E. M. Cioran. Este último nasceu em Rosinari, na Transilvânía, em 1911. Dois de seus livros estão traduzidos em português: Breviário da Decomposição e Exercícios de Admiração. As críticas feitas por Cioran ao positivismo e ao cientificismo têm como finalidade diagnosticar a queda do homem no horror do existir. Uma queda que a filosofia tradicional procura esconder ao construir um universo inverossímil e, por intermédio desse universo, tenta falar em nome de todos os homens, esquecendo-se de considerar que cada homem é único, capaz de discorrer apenas sobre si próprio. Impossível se faz, portanto, prosseguir nesta pretensa fala em nome de uma coletividade. O pensamento de Cioran estrutura-se nessa tese e é marcado por um ceticismo crítico, predominantemente sombrio. Nos textos de Cioran, o passado é percebido como um estágio falso e obscuro, e o futuro não irá além de uma mera ilusão. Esta posição é defendida com firmeza tal que transforma o filósofo em um renegado da humanidade. O que não importa, já que os céticos são assim classificados. Ao atacar o homem em suas fragilidades, Cioran evidencia ser ele o único animal capaz de transformar o paraíso em um inferno, malgrado suas fraquezas ou até mesmo por causa delas, construindo destarte o reino da negatividade. Importante perceber, no entanto, que essa negatividade não se configura como um espaço circunscrito, tão pernicioso quanto a prisão da positividade. O raciocínio em Cioran é desenvolvido a partir de situações limites. Na sua composição, são elementos básicos a negatividade, a morte, Deus, a demência e a loucura. Ingredientes que ao se combinarem formam um universo governado pela injustiça e impostura. Não sem propósito. Abrir o dia com Godoy na porta, soprar Cioran, tomar café e ir para a luta. BOM DIA

Carlos Eduardo "Brizolinha" Motta
é poeta e proprietário
da banca de livros usados
mais charmosa da cidade de Santos,
situada na Rua Bahia sem número,
quase esquina com Mal. Deodoro,
ao lado do EMPÓRIO SAÚDE HOMEOFÓRMULA,
onde bebe vários cafés orgânicos por dia,
e da loja de equipamentos de áudio ORLANDO,
do amigo Orlando Valência.


No comments:

Post a Comment